quinta-feira, novembro 11, 2010

Danuza Leão: "Dá para acreditar que nunca subi na torre?"

Nem sei quantas vezes fui a Paris; mais de 50, com certeza. Oitenta, talvez? Impossível saber. Teria a obrigação de conhecer a cidade pelo avesso, é claro, mas não.

Como tenho o hábito de voltar aos lugares que adoro, acabo ficando no mesmo hotel, andando a pé pelo mesmo bairro, indo a um já conhecido bistrô, comendo um prato que ficou na memória, e na hora de voltar me dou conta de tudo que deixei de fazer. Da próxima, vou levar uma lista e fazer tudo como se fosse a primeira vez, juro.

Dá para acreditar que nunca subi na Torre Eiffel? Sei direitinho o que devo fazer: reservar uma mesa no Jules Verne, perto da janela, e chegar antes de escurecer, para ver as luzes de Paris se acendendo, parece que não há nada mais lindo.

No Arco do Triunfo também nunca subi; lá de cima vê-se as 12 avenidas, como as pontas de uma estrela, talvez o traçado mais bonito de qualquer das cidades mais bonitas do mundo, ah, tenho que ir, tenho que ir.

Já vi o túmulo de Napoleão, nos Invalides, mais de uma vez, mas sempre quero ver de novo; na verdade, deveria ir a cada viagem, tal a impressão que me faz - adoro Napoleão.

E se não estiver muito frio, poderia perfeitamente ir andando até a praça da Concórdia e dar uma volta de roda-gigante, coisa que também nunca fiz, e lá de cima olhar os jardins das Tulherias, o Champs Elysées.

Dessa vez eu vou, palavra. E outra coisa que também nunca fiz, e que deveria ser a primeira, é tomar um ônibus desses abertos, e percorrer toda a cidade; é essa história de não querer fazer programa de turista que atrapalha a vida, e afinal o que eu sou, quando estou lá? Mais uma turista, como tantas.

De todos os ângulos

E o "bateau-mouche"? Em uma hora faço um passeio lindo e vejo a cidade de outro ângulo, olhando para os edifícios nos dois lados do Sena, e escolhendo o apartamento que quero para mim, adoro brincar disso.

Ah, e outra coisa fundamental: rever a Conciergerie, onde Maria Antonieta ficou presa. Não me esqueço dos bilhetes que ela escrevia para seu amado, o conde Fersen. Escrevia é modo de dizer: com um alfinete, ela fazia furinhos num papel, letra por letra, pode ser mais emocionante?

E Versailles? A cada viagem eu juro que vou, preciso voltar, mas não sei porque, não volto. Preguiça, e também porque é tão bom viajar sem ter que fazer nada, só ir vivendo, sem compromisso algum.

Da próxima, Versailles não me escapa, prometo, mas vou deixar Giverny, onde está o jardim de Monet, para a primavera - dá para acreditar que nunca fui lá? Tenho até vergonha de confessar.

Uma parisiense

Mas ainda falta tanta coisa: a maison Árabe, a Sainte Chapelle, e para me sentir uma verdadeira parisiense ainda tenho que pegar uma bicicleta e passear pela cidade, e nem que volte mais dez vezes vou dar conta de tudo.

E ainda tem as centenas de restaurantes que nunca vou conhecer, nem que viva mil anos. E o museu Rodin (www.musee-rodin.fr), onde eu tinha combinado comigo mesma de ir no último dia da última viagem?

Mas era junho, e estava uma tarde linda, e os cafés nas calçadas estavam cheios, e a cidade parecia uma festa, e eu pensei "vou ao Rodin ou sento numa terrasse, peço um Ricard e fico só olhando, até a hora de ir para o aeroporto?".

É claro que foi o que fiz, e esse tipo de coisa me acontece a cada viagem, porque acabo privilegiando mais os bons momentos que tenho comigo mesma do que vendo a mais fantástica obra de arte do mais remoto país.

Mas sabe o que é também? Não quero nem entrar na fila para entrar no Louvre, nem ver a Mona Lisa cercada por 300 pessoas, todas tentando fotografar o quadro com o celular.

Para ser sincera, não me arrependo dessas escolhas, teoricamente erradas, porque tive momentos de felicidade plena, total.

Mas da próxima vez vou embarcar numa bem de turista, e deixar só os últimos três dias para fazer o que quero e mais adoro, quando viajo, isto é: nada.

*

Texto de Danuza Leão publicado na edição de hoje do caderno Turismo da Folha de S.Paulo.

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